A perícia psiquiátrica é uma espécie de avaliação com finalidade de auxiliar a justiça, polícia e outras
A Perícia Psiquiátrica ou Exame Pericial Psiquiátrico é uma espécie de avaliação psiquiátrica com a finalidade de esclarecer a auxiliar a autoridade judiciária, policial, administrativa e, até mesmo, particular, porém, para a Justiça o Exame Pericial constitui um meio de prova.
O trabalho pericial é uma avaliação especializada no tema em questão (em nosso caso, psiquiatria) e será solicitado pelo juiz em situações que escapam ao seu entendimento técnico-jurídico, com a finalidade última de esclarecer um fato de interesse da Justiça.
Segundo o Código de Processo Civil (CPC), em seu artigo 145, o juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico. Este perito, designado pelo juiz, deve obedecer algumas exigências, assim como também pode escusar-se de sua função em razão alguns impedimentos.
Em tese, todo médico especializado em psiquiatria poderá ser nomeado perito. Entretanto, tendo em vista a tendência natural das ciências à superespecialização dentro de cada área profissional e de conhecimento, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), juntamente com a Associação Médica Brasileira (AMB) actualmente reconhecem o Título de Especialista em Psiquiatria Forense (TEPF). O médico psiquiatra com essa qualificação estaria mais habilitado ao exame pericial do que um outro colega sem essa sub-especialidade psiquiátrica. Mesmo assim, o juiz pode nomear qualquer psiquiatra para proceder ao Exame Pericial Psiquiátrico.
Portanto, a perícia psiquiátrica é um documento de carácter clínico-psiquiátrico, solicitado pela justiça com objectivo de atestar a condição mental de uma pessoa e assessorar tecnicamente a justiça em duas situações básicas: na avaliação da interdição civil por razões mentais e na avaliação de inimputabilidade. No primeiro caso, avaliando a capacidade civil, a perícia psiquiátrica se dará no Direito Civil e na questão da imputabilidade, no Direito Criminal.
Estão previstos em lei alguns impedimentos formais (artigos 134, 135 e 138 do CPC) para a nomeação ou aceitação do perito seriam no caso dele actuar nos processos onde:
a) for parte;
b) houver prestado depoimento como testemunha;
c) for cônjuge, parente em linha recta em qualquer grau ou parente em linha colateral até segundo grau (irmão ou cunhado) do advogado da parte;
d) for cônjuge, parente em linha recta em qualquer grau ou parente em linha colateral até terceiro grau (tio e sobrinho) da parte;
e) for membro da administração de pessoa jurídica que é parte no feito.
Além desses impedimentos formais, a legislação prevê que perícia será considerada suspeita quando o perito for:
a) amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
b) credor ou devedor de qualquer das partes, ou isso ocorrer com seu cônjuge, bem como aos parentes em linha recta em qualquer grau ou em linha colateral até terceiro grau (tio e sobrinho);
c) herdeiro, donatário ou empregador de qualquer das partes;
d) presenteado de qualquer das partes ou as houver aconselhado em relação à causa ou ainda as auxiliado financeiramente com as despesas do processo;
e) interessado no julgamento do feito em favor de uma das partes.
Espera-se, além da imparcialidade, evidentemente, que perito seja o mais didáctico possível, traduzindo da melhor maneira os conceitos e definições médicas, bem como os eventuais diagnósticos em linguagem acessível ao juiz, jamais se limitando à denominação simples do diagnóstico psiquiátrico.
Uma das dificuldades que compromete substancialmente o andamento e a imparcialidade do resultado da perícia são eventuais sentimentos que o examinado pode despertar no perito. Em resumo, os objectivos básicos da Perícia Psiquiátrica não podem se distanciar do seguinte:
1 - Estabelecer o Diagnóstico Médico.
2 - Estabelecer o Estado Mental no momento da acção.
3 - Estabelecer o Prognóstico Social, isto é, indicar, do ponto de vista psiquiátrico, a irreversibilidade ou não do quadro, a incapacidade definitiva ou temporária, a eventual periculosidade do paciente.
Embora o Exame Pericial em psiquiatria seja de natureza clínica e semiológica, caso estejam indicados exames auxiliares para o caso, estes devem ser solicitados, incluindo exames psicológicos. A anamnese (entrevista) deve ser tão completa quanto possível.
O exame directo (ou objectivo) é aquele cuja colecta de dados se faz junto ao examinando e, desejavelmente, deve ser completado com informações obtidas de outras fontes, como relatórios fornecidos por médicos assistentes ou hospitais. Pode ser extremamente útil obter informações adicionais junto às pessoas da intimidade do examinando. Da habilidade do perito dependerá a validade e veracidade dessas informações.
A avaliação do estado mental da pessoa a ser periciada deve ser relatada de forma precisa e inteligível. O objectivo dessa avaliação é informar à justiça o que a medicina constata sobre a função mental da pessoa em apreço. Apesar do desejável cuidado científico e técnico, não se trata de uma tese ou dissertação de mestrado, mas de uma informação precisa com propósitos de ser, sobretudo, inteligível.
A Perícia em Direito Criminal
Para as perícias criminais, segundo o Código de Processo Penal (CPP), o encargo pericial também é obrigatório e exige-se o trabalho de dois peritos oficiais concomitantemente. Em síntese, a perícia psiquiátrica em Direito Criminal (ou Penal) objectiva, principalmente, o seguinte:
1 - Verificação da capacidade de imputação nos incidentes de insanidade mental (veja Imputabilidade) Nesses casos está em jogo a imputabilidade, normalmente atrelada à capacidade da pessoa discernir o que faz, ter noção do carácter ilícito e de se auto-determinar.
2 - Verificação da capacidade de imputação nos incidentes de farmacodependência. Trata-se da difícil avaliação da imputabilidade ou semi-imputabilidade que se aplicam aos dependentes químicos e alcoolistas.
3 - Exames de cessação de periculosidade nos sentenciados à medida de segurança. Quando as pessoas internadas em casas de custódia (manicómio judiciário) ou em tratamento ambulatorial compulsório são avaliados para, mediante laudo, terem cessado a periculosidade que determinou a medida de segurança.
4 - Avaliação de transtornos mentais em casos de lesão corporal e crimes sexuais
A avaliação pericial tem como um dos objectivos, estabelecer o diagnóstico da situação actual, no presente momento. Para esta avaliação os critérios são, basicamente, os mesmos aplicados na psiquiatria clínica geral, ou seja, um exame psíquico para avaliação do estado mental actual. Resumindo, é avaliada a existência de alguma doença ou alteração psíquica actual.
A avaliação do estado mental da pessoa a ser periciada deve ser relatada pelo perito de forma precisa e inteligível. O objectivo dessa avaliação é informar à justiça o que a medicina constata sobre a função mental da pessoa em apreço e como a psicopatologia denomina e entende desse estado constatado.
Apesar do desejável cuidado científico e técnico, não se trata de uma tese ou dissertação de mestrado, mas de uma informação precisa com propósitos de ser, sobretudo, inteligível. O perito deverá, por exemplo, referir o fato psicopatológico em palavras compreensíveis e, nominá-lo entre parênteses; "observa-se um prejuízo qualitativo no grau da consciência (obnubilação)...", ou "... havendo prejuízo na evocação da memória do fato ocorrido (amnésia lacunar) desde seu início até o dia seguinte...", ou... o examinado mantém em estado de inquietação, hiperactividade, falando exageradamente (hipomania), com expansividade inadequada do comportamento (perda da inibição social)..."
As duas figuras jurídicas fundamentais que costumam requerer assessoria de uma perícia psiquiátrica, a interdição civil por razões mentais e a avaliação de inimputabilidade, são baseadas no fato inconteste de determinados transtornos mentais produzirem prejuízo da capacidade de discernimento, de controlar impulsos e da capacidade de decidir com plena liberdade.
Os diagnósticos e estados mentais que aparecem mais frequentemente diante do perito em Psiquiatria Forense são:
- Neuroses: notadamente a obsessiva-compulsiva e histérica.
- Psicoses: esquizofrenias, parafrenias, orgânicas e senis.
- Retardo Mental (oligofrénia).
- Transtornos de Personalidade: Psicopatias.
- Dependentes químicos e suas complicações.
- Epilepsias e suas complicações.
- Transtornos dos Impulsos (compulsões, piromania, jogo).
- Parafilias ou Desvios sexuais.
Em se constatando alguma doença ou alteração mental, a atitude pericial mais importante é saber se esta alteração já existia por ocasião do ato que determinou a perícia ou aconteceu depois, quer dizer, é importante saber se a alteração ou doença é superveniente ou não ao fato que determinou a perícia.
A superveniência de doença mental (SDM) é quando, depois do ato delituoso, a pessoa passa a apresentar sinais e sintomas de algum transtorno mental. Quando a doença mental é constatada antes do ato delituoso ou durante a tramitação do processo, este será suspenso. A lei brasileira privilegia a saúde da pessoa acusada e a suspensão do processo pleiteia sua recuperação. Quando a doença mental é constatada após condenação, haverá a interrupção do cumprimento da pena, a qual poderá se transformar em medida de segurança.
Entretanto, apesar da possibilidade do perito psiquiátrico estabelecer um diagnóstico atual, esse fato nem sempre é suficiente para a justiça. Frequentemente o perito deverá também estabelecer, da melhor forma possível, a condição psíquica da pessoa examinada por ocasião do ato delituoso, ou seja, deverá proceder a uma avaliação retrospectiva (do passado).
Este tipo de perícia criminal normalmente visa avaliar a responsabilidade penal do examinado, ou seja, avaliar se essa pessoa apresentava algum transtorno mental no momento do crime e se tal transtorno comprometeu a capacidade de entender o carácter e a natureza de seu ato, bem como se comprometeu também a capacidade de se determinar de acordo com esse entendimento. Na realidade o perito oferecerá à justiça subsídios para avaliar se o réu é imputável, semi-imputável ou inimputável (Veja Imputabilidade).
A perícia retrospectiva também pode ser feita em relação aos processos de anulação de acto jurídico e de anulação de testamento na justiça civil e se realiza indirectamente, procurando informações com familiares e amigos, ou ainda, se for o caso, através de fichas ou prontuários médicos e hospitalares.
Outro objectivo de algumas perícias psiquiátricas é a avaliação prognóstica ou, mais didacticamente, a avaliação das perspectivas sociais do examinado. A partir das condições mentais actuais, à luz dos acontecimentos passados e, também, baseado no curso e evolução conhecidos pela psicopatologia, o perito psiquiátrico deverá estabelecer o prognóstico do examinado. A questão da periculosidade passa por esse tipo de avaliação (Veja texto Violência e Psiquiatria, na secção Forense).
As perícias de avaliação prognóstica têm realçado valor em alguma situações especiais, como por exemplo;
a - quando se questiona a cessação da periculosidade em internos reclusos por medida de segurança (Veja o Conceito de Periculosidade no texto Personalidade Criminosa, na secção Forense),
b - por ocasião do livramento condicional, indultos de Natal (e outros) em prisioneiros que cumprem pena e,
c - quando se questiona a capacidade para o pátrio poder ou tutela de filhos em casos de maus tratos à crianças.
Normalmente essas perícias não são exclusivamente psiquiátricas mas, sobretudo, avalizadas também por profissionais de outras áreas, como por exemplo, assistentes sociais, psicólogos, etc.
O Exame Pericial
Embora não haja nenhum modelo acabado de registo dos dados obtidos durante o exame psiquiátrico, arrolam-se, a seguir, de forma sumária e para que sirvam de contraponto ao formato adoptado na avaliação forense, os principais itens que devem ser mencionados:
Parte 1 - Identificação
O examinado deve ser o mais precisamente identificado. Para tal, podemos descrevê-lo fisicamente, verificar documentos de identidade, referir o sexo, a idade e filiação, data de nascimento e, se possível, anexar uma fotografia recente ou impressão digital.
Parte 2 - Condições do exame
Relatar brevemente em quais condições se realizou o exame, como por exemplo, "exame realizado em meu consultório, mediante entrevista e exame clínico, respondido pelo examinado em primeiro lugar e, em seguida mediante entrevista de seu cônjuge Fulana de Tal. Nessa ocasião o examinado estava em uso de tais medicamentos...".
Parte 3 - Histórico e Antecedentes
Através da entrevista com o examinando ou, objectivamente, com pessoas de seu convívio íntimo, devem ser referidos os antecedentes neuropsíquicos com implicações em sua actividade mental, bem como eventuais tratamentos psiquiátricos anteriores. Enfatizam-se os momentos de eventuais crises existenciais e a maneira como o examinado reagiu a elas, os padrões habituais de comportamento familiar, social e profissional. Alguns autores valorizam a história psiquiátrica familiar.
Parte 4 - Exame Clínico.
Nessa parte procede-se o Exame Físico e do Estado Mental. Trata-se do exame clínico, neurológico e psicopatológico, baseado na entrevista e em dados do exame. Este relato deve ser objectivo, inteligível, sucinto e evitar divagações.
Parte 5 - Exames complementares (se houverem).
Aqui devem ser descritos e tornados inteligíveis à linguagem não exclusivamente técnica os achados laboratoriais, os resultados de exames funcionais ou de imagem (PET, SPECT, EEG, Exames Funcionais Cerebrais) e de testes eventualmente aplicados.
Parte 6 - Diagnóstico
Essa é uma parte essencial da perícia onde se deve consolidar o diagnóstico e, de preferência, fazer algum comentário sobre o diagnóstico diferencial com quadros similares. O diagnóstico médico-psiquiátrico não necessita, obrigatoriamente, ser único e, sempre que for o caso, às diversas comorbidades, se presentes.
Cabe aqui comentários sobre o prognóstico das alterações psíquicas encontradas, se possível ilustrando com referências bibliográficas o curso e evolução preconizados pela psicopatologia.
O perito psiquiatra deve retratar com precisão o que verificou e constatou em sua esfera de competência, apresentando conclusões objectivas e eminentemente técnicas, sem expressar juízo de valor.
Os comentários, sempre desejáveis e muito úteis, devem ser restritos à área de competência do perito, evitando terminantemente emitir juízos de valor. Esses comentários devem ser claros, com informações inteligíveis para não especialistas.
Deve terminar individualizando o caso do examinando sob o ponto de vista clínico, esclarecendo suas implicações psicopatológicas e jurídicas.
Quanto à formulação do diagnóstico, sempre que possível o perito deve usar uma classificação de diagnósticos internacionalmente reconhecida, como classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que é a CID.10, ou sua variante norte-americana, a DSM.IV, igualmente aceita pela comunidade científica.
Parte 7 - Conclusões Médico-Legais
Deve indicar claramente o diagnóstico e/ou as hipóteses de diagnóstico. Essa conclusão deve conter claramente a opinião técnica do perito ou, conforme for o caso, adicionar alguma sugestão ou comentário que julgar útil para melhor esclarecer o juiz.
Nessas conclusões a objectividade deve ser uma preocupação sempre presente. Para evitar longos trechos fortemente carregados de descrições e considerações académicas, o perito deve ter em mente que sua missão é ilustrar, orientar e esclarecer a justiça da melhor forma possível.
Por causa disso, seu discurso deve se limitar a termos inteligíveis e dirigidos a pessoas sem a mesma formação técnica, como os magistrados, advogados e jurados. Assim sendo, o perito não deve jamais abusar da obscura terminologia psiquiátrica.
É Imprescindível ilustrar as conclusões com informações da literatura psiquiátrica, tomando sempre o cuidado de traduzir para a autoridade o teor do texto citado.
A Conclusão ou o Relatório Médico-Legal é, portanto, a comunicação escrita do perito à justiça, consoante e fiel às suas observações e, desejavelmente, acompanhado de comentários profissionais, bem como das respostas aos quesitos formulados pelo juiz.
Quesitos
Finalmente, o perito deve responder aos quesitos formulados, também de forma objectiva e clara, evitando comentários e justificativas nessa parte.
Vejamos um exemplo dos (três) quesitos mais comummente formulados pelos juízes aos peritos em Direito Penal:
1º Quesito: O acusado XXX, ao tempo da acção, era, por motivo de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento ?
2º Quesito: O acusado XXX, ao tempo da acção, por motivo de perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, estava privado da plena capacidade de entender o carácter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento ?
3º Quesito: O estado mental actual do acusado XXX oferece perigo à sociedade ?
Algumas outras vezes os quesitos, sempre consoantes a cada caso e de acordo com a necessidade do juiz, podem ser diferente, como por exemplo, nesse caso de Direito Administrativo:
1º Quesito: O acusado XXXé portador de algum distúrbio psiquiátrico?
2º Quesito: O acusado XXX está plenamente consciente de seus actos?
3º Quesito: Qual o distúrbio psiquiátrico apresentado?
4º Quesito: Esta patologia é passível de tratamento? E qual o tempo previsto para tal?
5º Quesito: Durante o tratamento é necessário o afastamento do acusado XXX do trabalho?
6º Quesito: Essa patologia é incapacitante para o trabalho? Temporariamente ou definitivamente?